Um animal por mais que seja feroz, não tem a maldade de um homem, desejaria ele ter a inocência de um leão.
Desejaria ele ter a doçura de um coelho, a lealdade de um cão, a paz de um pássaro ou pelo menos a capacidade de todos os animais de usufruir da natureza sem destruí-la!
Já faz algum tempo que você se foi, meu irmão, mas no meu coração parece que foi apenas ontem. A dor parece não querer ceder, e a saudade apenas cresce e cresce e cresce.
Você partiu cedo demais, de repente, sem um último adeus, e por isso custa tanto aceitar sua ausência. Mas me confortam as memórias que guardo, e o amor por você que para sempre viverá em mim.
Foi um privilégio tê-lo como irmão, e amei cada segundo da nossa história. Passe o tempo que passar vou recordar você, com carinho, com amor e com saudade eterna.
À medida em que os anos vão passando, a bagagem vai aumentando...
Porque existem muitas coisas que você recolhe pelo caminho, coisas que você pensa que são importantes.
A um determinado ponto do caminho começa a ficar insuportável.
Carregar tantas coisas, pesa demais... Então você pode escolher:
Ficar sentado à beira do caminho, esperando que alguém o ajude,
O que é difícil, pois todos que passarem por ali já terão sua própria bagagem.
Você pode ficar a vida inteira esperando, até que seus dias acabem.
Ou pode aliviar o peso, esvaziar a mala.
Mas, o que tirar?
Você começa tirando tudo para fora.
Veja o que tem dentro:
Amor, amizade... Nossa!
Tem bastante. Curioso, não pesa nada.
Tem algo pesado. Você faz força para tirar...
Era a raiva - como ela pesa!
Aí você começa a tirar, tirar e aparecem a incompreensão, o medo, o pessimismo. Nesse momento, o desânimo quase te puxa pra dentro da mala. Mas você puxa-o para fora com toda a força, e no fundo aparece um sorriso, sufocado no fundo da bagagem. Pula para fora outro sorriso e mais outro, e aí sai a felicidade.
Então você coloca as mãos dentro da mala de novo e tira pra fora a tristeza.
Agora, você vai ter que procurar a paciência dentro da mala, pois vai precisar bastante.
Procure então o resto: a força, esperança, coragem, entusiasmo, equilíbrio, responsabilidade, tolerância e o bom e velho humor.
Tire a preocupação também. Deixe-a de lado, depois você pensa o que fazer com ela.
Bem, sua bagagem está pronta para ser arrumada de novo.
Mas, pense bem o que vai colocar lá dentro de novo, hein?
Agora é com você!
Ainda lembro Daquelas inesquecíveis palavras, Que murmuraram ao meu coração E fizeram a impossibilidade do esquecimento...
Palavras que não se calaram...
Anos se passaram Estações presenciei, Lágrimas derramei Dores eu senti, Mas daquelas palavras Não me esqueci.
Palavras que denunciavam Que a nossa amizade era verdadeira, De que não seria o tempo O destruidor desse nosso laço.
Os anos passaram As lembranças ficaram.
Saudade das vezes que o mundo era nosso, E que o destino estava em nossas mãos...
Saudade das risadas Que surpreendiam a todos ao nosso redor.
Hoje apenas saudade posso ter...
Mas quem sabe no amanhã Voltamos a ser um só mundo, Onde nada destruirá nossa verdadeira amizade Nem mesmo a Morte...
Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho... o de mais nada fazer.
Clarice Lispector